Como no caso de todo gestor baseado fora de São Paulo, minha rotina envolve visitar frequentemente gestores na Faria Lima para sentir um pouco da temperatura in loco de mercado e, lógico, manter proximidade entre a Catarina Capital, clientes atuais e prospects.
É claro que a atual crise não é novidade pra ninguém. Lá se vão quase 18 meses de sangria desatada nos mercados, uma queda longeva, das mais persistentes já vistas, agredindo especialmente ativos na seara de tecnologia, nosso foco aqui na gestora.
O contexto é historicamente único: uma inflação pós pandêmica embebedada numa geopolítica que remete à uma espécie de Guerra Fria 2.0, num mundo digital em que a flexibilidade de dinâmica profissional parece jogar contra todas as medidas tidas como eficientes para um apertar de cintos em políticas monetárias. É uma sinuca de bico: aumentam-se juros para conter crédito e consumo, visando frear um movimento inflacionário que, surpreendentemente, parece perdurar cada vez mais, enquanto o mundo persiste em pleno emprego, mesmo num caminho cada vez mais provável de recessão.
No protagonismo desse filme de guerra, o Fed parece agir como um recruta que entrou em combate por acaso. A falta do bom e velho pragmatismo americano no embasamento e, principalmente, na comunicação de suas decisões para aumento gradativo dos juros, em incrementos homeopáticos, exaltou a vulnerabilidade da principal economia do mundo diante da ameaça de uma inflação desenfreada.
É curioso pensar que a sombra do dragão da hiperinflação remediada pelo Real foi elemento chave para um comportamento mais incisivo do BC brasileiro durante a pandemia, atuando na elevação contundente dos juros no meio da bagunça da pandemia. Argentina e Turquia que o digam.
A instabilidade macroeconômica global naturalmente refletiu no aumento expressivo da concentração em Renda Fixa na imensa maioria das carteiras de investimento, ainda mais diante da exuberância dos juros brazucas. Agora, o que vivenciei neste último conjunto de visitas aos Faria Limers foi um verdadeiro clima de funeral. Quebra-quebra geral entre gestores, agredidos por movimentos desenfreados de resgate, em particular no caso daqueles mais dependentes do fluxo de recursos das plataformas de varejo – uma frenética dança das cadeiras entre profissionais, especialmente nas áreas de middle e back-office, visto um contexto atípico de M&A entre gestores visando redução de custos para superar a crise diante de volumes expressivamente menores de ativos sob gestão.
Para uma casa de empreendedores financeiros de segunda viagem, como a Catarina Capital, resiliência redobrada sempre foi uma das regras básicas do jogo para quem corre o risco de montar um negócio no mercado financeiro no Brasil. Resistir é uma premissa chave para a construção de qualquer cultura empreendedora que se preze, com reflexos diretos em nossa estratégia de negócio, e em particular, nas práticas de compensação de sócios e colaboradores (mais Stock Options e menos Total Compensations, por favor!). A gestão de fundos e/ou carteiras de investimento de nossos clientes é regida pelas mesmas premissas – muita análise e confiança nos fundamentos que são essenciais para evitar movimentos desesperados de mudança de alocação em momentos desafiadores como o que passamos atualmente.
No caso de investimentos na área de tecnologia, em especial no caso de ativos listados, o desespero fez com que um grande parte dos gestores existentes no mercado desistisse de suas atividades no ano passado. Dos que permaneceram, pouquíssimos mantiveram-se dentro de seus regulamentos de alocação. No caso do Newton Tech Fund, nosso filho mais caçula na esteira de fundos da Catarina, o tamanho reduzido do fundo, restrito a investidores de confiança com relação próxima à casa, mostrou-se como um elemento positivo na condução de uma navegação mais consciente em mares de crise tão turbulentos. Os resultados obtidos, mesmo diante de uma queda significativa, reiteram a consistência de nosso mandato de alocação, apresentando resultados acima de benchmarks de gestores internacionais.
A pergunta que não quer calar é: em que momento o jogo realmente tende a virar? Quando vai ser a hora de investir de novo em equities como um todo, em particular em techs?
Não é aconselhável para um gestor arriscar-se a sinalizar o momento exato de inflexão de preço de ativos, ainda mais com base na análise de fundamentos de longo prazo. No entanto, me arrisco a dizer que, desde a virada para 2023, estamos sim diante de um bom momento de compra de ativos tecnológicos, não apenas nos casos listados em bolsa, mas também em ativos early-stage no início de sua jornada empreendedora.
A razão para isso, na prática, não se dá por uma conjuntura positiva no âmbito macro, longe disso: ainda não se tem clareza sobre quando se observará um movimento efetivo de contensão da inflação americana, por mais que o Fed reitere que 5%-5.25% anuais já denotam juros mais do que suficientes para suportar uma equalização econômica. A recessão americana é uma hipótese cada vez mais tangível e não há nada que comprove de que os preços das ações carregam a penalização potencial de um cenário de desaceleração produtiva.
No entanto, o contexto de crise gerou uma reviravolta na dinâmica de gestão das companhias tech ao redor do mundo, que finalmente parecem estar orientando seus negócios com o objetivo de geração de lucratividade e, mais importante, geração de caixa, ao invés do crescimento a qualquer custo. Os cortes de gordura financeira viraram boa prática de forma unânime em todas as techs, seja através de demissões em massa ou por meio da redução de atividades de P&D sem perspectiva de produto/negócio em curto-médio prazo (metaverso que o diga!).
Por incrível que pareça, trata-se de uma quebra de paradigma na dinâmica de geração de valor de companhias com trajetória de captação em Venture Capital – os resultados de batimento de metas e melhoria das projeções de lucratividade por ação (EPS) são muito evidentes em ações tech de todos os setores, sejam eles diretamente ou indiretamente agredidos pela crise atual. O mercado, até o momento, parece receber com surpresa a dinâmica tão forte de entrega de resultado das techs no meio da crise – o que tem despertado um efeito gradativo de revalorização das ações neste 2023.
Na prática, um volume inédito de ações tech, antes tidas como eternamente deficitárias, passam a se fortalecer por um fundamento chave que até então, pela antiga abundância de capital, podia ser colocado em segundo plano: a tangibilização de seu valor através da capacidade de gerar dinheiro para o caixa. Para um investidor de setores tradicionais, chega a soar ridículo, mas é a mais pura verdade: as techs só acordaram diante de uma crise avassaladora, mas estão reagindo rápido – muito rápido mesmo – à necessidade de colocar a lucratividade de seus negócios em primeiro lugar. E esse fundamento muda tudo, principalmente diante de papéis que tombaram mais de 80% de seu market cap ao longo da crise.
É impossível acertar o exato momento da inflexão de valor, como sabemos. Mas estamos agora diante de um comportamento histórico para todo o setor de tecnologia – que trará ótimos frutos de rentabilidade para investidores e que tem sido evidente ao se analisar a curva-J das techs (listadas ou não). Na nossa opinião, na Catarina, mantendo-se sempre a visão de longo prazo, abre-se uma janela fundamentalista muito interessante para alocação, mesmo que a recessão venha a trazer ainda mais machucados aos preços das ações no curto prazo. Vale sim um pouco de comemoração (e um bom gin, convenhamos) em meio a tantos mortos e feridos.
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