Em nosso último artigo comentamos como enxergamos o uso da Inteligência Artificial nos modelos de negócios das empresas. Ao observar a temporada de resultados, notamos que a imensa maioria dos executivos buscaram adicionar a palavra “AI” em seus earnings calls, seja no sentido de enfatizar melhorias potenciais de seus produtos para o consumidor, em vias de lançamento, ou até apenas para ilustrar o quanto a revolução do “AI” irá demandar mais de potenciais futuros produtos, ainda sequer lançados ou nem mesmo rascunhados por suas áreas de P&D. O que surpreende é a ansiedade que o mercado está em achar e buscar valorizar incrementos de receita e/ou melhoria nas margens das empresas em apenas dois trimestres depois do boom de AI.
Até o momento, o mercado continua numa dinâmica de casa de apostas ao cogitar quem tem mais chances de se beneficiar da inteligência artificial – novamente repetimos, não sabemos ainda quem será o real vencedor dessa corrida. No entanto, uma empresa destaca-se sim por resultados reais de crescimento de receita e lucro neste curto período – trata-se de Nvidia. Em um dos earnings mais esperados do ano, talvez da década, a empresa reforçou o otimismo e entregou muito além do esperado. Quando olhamos para receita de Data Center, no último trimestre foram US$10,32 bilhões contra um esperado de US$7,98 bilhões, um crescimento de 141% QoQ e de 171% YoY. No agregado foram US$13,15 bilhões de receita total, um crescimento de 101,6% YoY, tudo isso com uma margem elevada de 71,2%. Para não mostrar que esse trimestre foi um outlier, a empresa espera para o próximo trimestre uma receita de US$16 bilhões enquanto o mercado esperava US$12,42 bilhões, e para terminar, a cereja do bolo foi um anúncio de buyback de US$25 bilhões. O mercado, é claro, já precifica tamanho resultado, com as ações de Nvidia em disparada no ano (mais de 240%), 3,64 desvios padrão acima de sua média histórica em termos de múltiplo de receita.
Estamos somente no começo da era de inteligência artificial, o que nos ajuda a compreender o porquê de apenas Nvidia apresentar um balanço impulsionado explicitamente por ganhos relacionados a AI. Em um mundo que todos estão correndo para desenvolver novas aplicações de AI, é nítido o gargalo em termos de processamento que obriga a um aumento significativo da capacidade instalada – um player praticamente monopolista (Nvidia detém 95% de participação no mercado de GPUs para Data Center) acaba observando um aumento de demanda praticamente repentino. Muitos se questionam se esse aumento de demanda não deveria ser refletido diretamente na TSMC – empresa de manufatura de chips que detém mais de 50% do mercado global e mais de 90% dos chips mais avançados – e por consequência na europeia ASML, que é a única empresa do mundo capaz de produzir as máquinas de litografia para a fabricação desses chips, tendo a TSMC como seu maior cliente e assim um possível efeito em cascata de demanda. Por enquanto, a verdade ainda não parece ser assim, a Nvidia é um dos vários clientes da carteira da TSMC que, como grande estrutura fabril, demanda massivos investimentos prévios em CAPEX para suprir em médio/longo prazo as novas demandas de processamento do mercado.
Na questão de serviços para o consumidor final, em sua grande maioria estamos observando que os serviços das empresas listadas estão em uma fase de desenvolvimento e/ou ainda disponível em baixa escala, o que é normal para o roadmap de um novo produto. Destacamos Adobe, Google e Microsoft como empresas que possuem grande potencial para escalar esses novos produtos, muito pela sua posição de liderança em seus mercados e sua vasta base de clientes já existente, facilitando assim a penetração desses novos produtos no mercado. Um exemplo disso tudo trata-se da própria OpenAI (desenvolvedora do ChatGPT). O assistente generativo foi o serviço mais rápido na história a alcançar a façanha de 100 milhões de usuários ativos (excluindo-se do ranking a solução Threads da Meta, sincornizada em login com o sistema de contas do Instagram). O ChatGPT ainda conta uma série de funcionalidades em beta e/ou disponíveis para grupos restritos de usuários, com lançamento gradativo de novos serviços, como no caso da recente aplicação do Chat para corporações – a OpenAI deve alcançar a cifra de US$1 bilhão em receita anual muito em breve.
Vale destacar que a necessidade de mencionar AI em seu roadmap não está atrelada somente as empresas de tecnologia, deixamos aqui um copilado de executivos de empresas non-tech falando sobre o tema:
Michael Miebach, CEO da Mastercard, destaca o lançamento da solução Consumer Fraud Risk, que utiliza de AI para ajudar os bancos a prever e evitar fraudes em pagamentos. Ressaltando que AI é uma tecnologia fundamental em todos os aspectos dos negócios da Mastercard, sendo um elemento essencial na identificação de padrões de fraude.
Rick Cardenas, CEO da Darden Restaurants, enfatiza a crescente utilização de AI e aprendizado de máquina para prever a contagem de clientes e aprimorar as previsões de negócios em seus restaurantes. A melhoria na previsão de tráfego resulta em melhores decisões de pedidos, recebimentos e escalas de trabalho, demonstrando a importância da AI em suas operações.
Chris Winfrey, CEO da Charter Communications, planeja continuar investindo em AI, aprendizado de máquina e serviços digitais para atender os clientes de acordo com suas preferências, aprimorar as ferramentas para funcionários de vendas e serviços e melhorar a eficiência operacional. Ele destaca que a AI beneficiará tanto a satisfação do cliente quanto a dos funcionários, reduzindo transações físicas, custos e a taxa de cancelamento.
Richard Fairbank, CEO da Capital One Financial, menciona o uso crescente de aprendizado de máquina em suas operações para melhorar a avaliação de riscos, modelagem e marketing, contribuindo para o crescimento, eficiência e criação de valor a longo prazo para a empresa.
Pedro Pizarro, CEO da Edison International, destaca o uso de AI, automação de processos robóticos e soluções móveis para aprimorar a experiência do cliente, planejamento e execução integrados da rede elétrica e eficiência nas funções de suporte. Ele menciona exemplos, como a previsão de problemas do cliente antes que eles liguem para o suporte e o uso de reconhecimento de fala e imagem para automatizar pesquisas e inspeções.
Rajesh Subramaniam, CEO da FedEx, destaca os esforços de modernização dos docks da FedEx Ground com tecnologia e insights de dados para aprimorar a produtividade. Ele menciona o uso de aprendizado de máquina para desenvolver previsões de volume mais detalhadas e precisas como parte de um novo plano de operação de rede.
Michael Rapino, CEO da Live Nation Entertainment, menciona a ampla utilização de dados pela Ticketmaster para fins de aprendizado de máquina e destaca como esses dados são usados para ajudar os clientes a precificar e comercializar seus shows, bem como entender a demanda provável para turnês e shows em mercados específicos.
Os comentários anteriores só reforçam a ideia de que a inteligência articificial não deve ser apenas entendida como um fenômeno das cadeias tecnológicas, mas sim como base para transformações em diversas cadeias produtivas. No caso do Newton Tech Fund, nosso fundo voltado a ações tech, temos mandato restrito ao universo de players que, na grande maioria dos casos, estão na linha de frente do desenvolvimento dessas transformações e/ou correndo atrás de provar posicionamento no caminho de não perder o “bonde da IA”. Para o investidor mais generalista, no entanto, é interessante entender que IA pode ser sim um driver de alocação em ações de negócios mais tradicionais, como no setor financeiro, varejo, energia, dentre outros – não adianta separar o joio do trigo apenas em Techs, mas sim em todos os negócios que deverão aplicar IA no escopo de construção de seus produtos e serviços.
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