Foi mais ou menos assim que Elon Musk abriu a conferência de resultados de 2021 da 5° maior empresa listada na NASDAQ – a bolsa da tecnologia americana. Num mercado severamente impactado pela falta de chips e problemas de supply chain, a Tesla se sobressai com um crescimento de quase 90% no volume de carros entregues, comparando com 2020. O número impressiona, já que empresas como a Volkswagen e Toyota – empresas centenárias e incumbentes da Tesla no mercado de veículos eletrificados (VEs), pelo menos no papel – alçaram crescimentos consideravelmente menores, frustrando investidores com repetidos fracassos em bater as próprias projeções de crescimento no mercado de elétricos.
Na nossa visão, o case da Tesla personifica com maestria um critério de investimento que levamos como motto no Newton: a vocação tecnológica de uma empresa, o que chamamos de tech as a core. Enquanto empresas muito tradicionais como Volkswagen, GM e Ford atravessaram uma crise muito acentuada de falta de chips com severas quedas na capacidade de produção, enxergamos que a Tesla, que possui projetos mais ágeis e modernos, aliado a um P&D mais ativo, foi capaz de refazer seus componentes pensando em redesenhar cadeias de suprimentos complexas em poucos meses, um drible na crise de chips digno de aplausos. De fato, a Tesla não saiu ilesa, mas ainda sim sua vocação tecnológica criou oportunidade num setor com alta dependência na própria cadeia de suprimentos.
![](https://static.wixstatic.com/media/e89276_dd50a772a16342ec99ff2fadfa4f1479~mv2.png/v1/fill/w_89,h_45,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/e89276_dd50a772a16342ec99ff2fadfa4f1479~mv2.png)
Gráfico do crescimento do número de unidades vendidas mundialmente dos últimos 12 meses. Dados do InsideEVs, acessado em 01/02/2022.
Outro aspecto confluente a esse alinhamento é o diferencial de produto criado pela empresa, em grande parte materializado no software que embarca os modelos S, 3, X e Y – sexy, para fazer valer o trocadilho. Vale lembrar que uma das grandes vitrines da empresa tem sido o pioneirismo na adoção da direção autônoma – algo que colocou a empresa no centro das discussões sobre a regulação de um setor comercialmente desbravado por ela mesma. O FSD (full self driving), como a empresa costuma se referir, é acompanhado de perto pelo mercado – que antecipa um aumento de margem por parte da empresa na transição para um modelo de receita também baseado em subscription. Esse tema fica cada vez mais quente com a visão de uma mobilidade não mais baseada na compra/posse de um carro, mas sim na utilização do mesmo como um serviço. Vale lembrar que a empresa iniciou a cobrança mensal para ativação do FSD em julho do ano passado.
Tudo isso contribui para dizer que o case de Tesla é muito bonito no papel. O que acontece no pano de fundo do buyside, no entanto, já não é o mesmo mar de rosas que comentamos anteriormente.
Enquanto o faturamento quase dobrou com uma margem bruta que cresceu 28% em relação a 2020, as ações da empresa acumulam uma alta de mais de 600% no mesmo período. São números impressionantes, mas que estão apenas acima do que o mercado espera que a empresa cresça para justificar o atual valuation de quase 900 bilhões de dólares. Na semana passada, o CEO da empresa já adiantou que o cenário para 2022 deve continuar desafiador, com o impacto da crise de chips ainda evidente. Na mesma apresentação de resultados da última semana, no seu guidance – jargão para o número mágico de quanto espera crescer para 2022 – a Tesla reitera que deverá sustentar um crescimento de mais de 50% no número de veículos vendidos até o fim do ano, o que elevaria – esperançosamente – o número para quase 1,5 milhão de unidades. Como temos visto recorrentemente no escrutínio dos earning seasons, qualquer número abaixo desse mesmo guidance não será bem digerido pelo mercado.
![](https://static.wixstatic.com/media/e89276_2c55a1af2fac4e0f8a23c10cf2aa003f~mv2.png/v1/fill/w_89,h_41,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/e89276_2c55a1af2fac4e0f8a23c10cf2aa003f~mv2.png)
Gráfico do consenso de mercado para a receita de tesla (linha tracejada) versus a receita reportada (coluna azul). Dados do Seeking Alpha obtidos em 01/02/2022.
![](https://static.wixstatic.com/media/e89276_406ebf9e4b6e4da5b29d47d6a8636090~mv2.png/v1/fill/w_89,h_31,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/e89276_406ebf9e4b6e4da5b29d47d6a8636090~mv2.png)
Gráfico do consenso de mercado para o preço de Tesla (área laranja) versus a cotação da empresa (linha azul). Dados do Seeking Alpha obtidos em 01/02/2022.
Além do desafio de curto prazo, enxergamos uma grande assimetria de preço que usa de premissa um crescimento cavalar para a próxima década que depende não só da venda de veículos – mas também da capacidade de penetração e monetização do mercado de veículos autônomos e dos lançamentos pendentes, principalmente no segmento de utilitários. Para o investidor que busca upside ausente de grandes turbulências, certamente não encontrará na Tesla um motivo para dormir em paz. A governança, sob as rédeas de Elon Musk, está sempre a um tweet de distância de ser volatilizada pela exposição a alguma criptomoeda, pelo rumor de ser vendida ou mesmo pela criação dos exterminadores do futuro.
O ponto é que não estamos completamente céticos com essa capacidade de entrega – afinal, a empresa tem consistentemente surpreendido o mercado com seu audacioso plano de crescimento – diria que estamos cautelosamente atentos aos próximos passos dessa gigante de tecnologia. Vale lembrar que sua participação no Nasdaq 100 (quase 4% do índice), a torna grande demais para ser ignorada. Cara ou barata, assim como acontece com as FAAMGs, a letra T vem para ser um outro paradigma na gestão de portfólio.